quarta-feira, 30 de abril de 2025

Por que o advogado deve usar a expressão 'pela ordem'?

  É sabido que o Advogado é indispensável à administração da justiça, em conformidade com o disposto no artigo 133 da Constituição Federal. Ademais, é notório também o fato de que a função da advocacia exige combatividade e destemor daquele que exerce tal profissão.

 Diante da necessidade de uma atuação combativa e destemida, certamente todo advogado que milita nos fóruns e tribunais acabará sujeito à prerrogativa prevista no inciso X do artigo 7º da Lei n.º 8.906/94, a qual prevê:

 Art. 7º São direitos do advogado:

X - usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas.

A utilização da expressão pela ordem é deveras essencial ao exercício profissional, vez que garante ao advogado o direito de se manifestar, de forma imediata, contra quaisquer questões envoltas ao seu labor, seja para solução de um simples equívoco ou dúvida, até para casos mais exacerbados de ofensas e acusações ocorridas durante sessões ou audiências.

 A existência de situações que ensejam tal forma de intervenção do advogado são infinitas, porém, para o presente texto, cabem alguns exemplos, de forma a permitir uma fácil visualização.

 EXEMPLO 1

 Um exemplo de situação corriqueira seria, em determinada audiência, um magistrado, no ato de proferir sentença de forma oral, acabar por, durante sua explanação apresentar fundamento em um sentido, vindo a equivocar-se em determinada palavra, sendo tal situação constatada pelo advogado que, utilizando da expressão pela ordem, indica o equívoco, possibilitando que o magistrado conclua seu raciocínio da forma que melhor entendia.

 Veja que, no exemplo, não há qualquer influência na decisão do magistrado, mas, sim, meramente a reparação de um erro momentâneo, onde se teve a clara intenção de dizer uma coisa, mas acabou por dizer palavra equivocada.

 A utilização da expressão pela ordem, neste exemplo, acaba por evitar ainda uma morosidade desnecessária ao caso, até porque, se o advogado se mantivesse inerte, posteriormente teria de recorrer da decisão para correção do erro material.

 EXEMPLO 2

 Já uma situação um pouco mais complicada poderia ser exemplificada em determinado procedimento do Tribunal do Júri, onde os debates são, normalmente, mais acalorados.

 Imagine que o representante do Ministério Público, em eventual réplica, para tentar derrubar os argumentos levantados pela defesa - anteriormente explicitados ao Conselho de Sentença - passa a proferir palavras que ofendam a atuação do defensor (por exemplo, argumentar que a defesa não possui respeito para com o caso, com mero intuito de induzir os jurados a apenas pensar em condenar, sem qualquer conteúdo prático ou qualquer plausibilidade com os argumentos da defesa).

 Em tal situação, deverá o advogado utilizar da expressão pela ordem para cessar imediatamente tal forma de acusação proferida, de modo a manter o pleno respeito que deve permear o jogo processual.

 Vale destacar que o profissional não deve se furtar à utilização da expressão pela ordem, vez que tal prerrogativa é essencial à manutenção do respeito e da ordem processual, possibilitando que o Advogado tenha garantida a possibilidade de manter atuação combativa no interesse de seu cliente, afastando abusividades eventualmente praticadas por outrem.

 Noutro giro, tem-se importante o devido cuidado do profissional para com relação à utilização de tal prerrogativa, de modo que esta seja utilizada nos momentos mais oportunos, garantindo o devido respeito ao profissional.

 Assim, é de extrema importância ao advogado ter garantida a prerrogativa da utilização da expressão pela ordem, de modo a impedir que nos processos em que atue venha a se ter equívocos ou abusividades com relação à atuação do profissional, servindo desde a correção de mero equívoco, até para cessar com abusividades praticadas por outrem.

 Dessa feita, e pela ordem, avancemos na luta em defesa das prerrogativas!

 Fonte: Canal Ciências Criminais

A prisão preventiva como devir sancionatório - • Tallis Lara - 29 de abril de 2025, 17h17

Com a implementação da Lei Federal 13.964/19 (pacote anticrime), mais precisamente, no parágrafo 2o, do artigo 313 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva com “finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia”, deve ser inadmitida.

Resolvido. A lei pôs fim a décadas de rompimento com a Constituição e fez revigorar a maltratada presunção de inocência. O encarceramento automático, amiúde a “bem do combate ao crime” teve fim com a exigibilidade de requisito e fundamento que extrapolem o próprio existir de uma persecução penal. Está resolvido, certo? O óbvio foi dito? Espere. Lembremos do “interpretar condicionado” do Estado-juiz em que nada é o que parece ser, mesmo as leis mais claras e impositivas suportam um “se”.

Expressões como “prisão com objetivo de interromper a atuação das facções criminosas”, “prisão justificada na necessidade da garantia da ordem pública ante o envolvimento do crime organizado” e “prisão adequada porque envolve a participação em organização criminosa de alta periculosidade”; têm sido cada dia mais recorrentes nas cortes como fundamento para segregação cautelar.

Violação ao dever de motivação

A violação ao dever de motivação é patente, expressões símiles não atendem ao mandamento do inciso IX, do artigo 93 da Constituição e menos ainda à imposição do artigo 315 do CPP. Fundamentação que se aplica a qualquer caso e utiliza do próprio tipo penal como suficiente ao encarceramento cautelar (raramente provisório) deve(ria) ser tida por imprestável ao processo penal, isso pois, não atinge o dever de fundamentação das decisões judiciais e rompe com o due process of law (artigo 5º, inciso LIV, Constituição).

Com isso, não se quer dizer que tais expressões não possam ser utilizadas na decisão que decreta ou mantem a prisão, o que não pode se permitir é a utilização dessas expressões como suficientes à segregação. Devem ser argumentação-meiojamais, argumentação-fim.

Isso é dizer, deve-se confrontar essas expressões, por si, genéricas, com outros elementos do caso concreto, elementos que diferenciem o caso em análise de todos os outros casos, fórmulas genéricas podem ser usadas para corroborar a decisão que determina a segregação, enquanto subsidiárias (argumentação-meio) ao fundamento principal que revela o periculum criado (argumentação-fim).

Contemporaneidade do fato

Outro grande problema quando se fala de prisão preventiva em casos de organização criminosa é o afastamento da contemporaneidade do fato. Com crescente jurisprudencial, o entendimento majoritário é de que o artigo 2o da Lei 12.850/13 é crime permanente, portanto, afastado o critério da atualidade dos fatos.

Em nosso sentir, a adoção do critério classificatório do crime (se é permanente, instantâneo, material, formal etc.) não deve servir como fundamentação válida a afastar a disposição legal do § 1º, do artigo 315 do CPP, onde é expresso: “Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)”.

Nos parece que a criação jurisprudencial para justificar a prisão por fatos praticados em data longínqua malfere o dispositivo processual penal mencionado, além de romper com o prisma teleológico da medida cautelar. Isso porque, se o fato é antigo e ausentes elementos concretos de razões novas ou contemporâneas de persistência na prática criminosa, não se pode entender por atendido o periculum libertatis.

Lembremo-nos que o periculum não é requisito das medidas cautelares, mas sim seu fundamento, porquanto, no processo penal, a aplicação é diversa da adotada no processo civil quando abordamos as medidas coercitivas pessoais. O periculum in mora de lá (CPC) não deve ser importado para cá (CPP), uma vez que não se trata de perigo criado pelo atraso inerente ao decurso do tempo até que recaia sentença definitiva no processo, e, sim, do perigo que decorre do estado de liberdade do acusado. Portanto, para a sistemática processual penal, não é sobre lapso temporal entre o provimento cautelar e o definitivo, sem embargo, é sobre a situação de perigo criada pela conduta (atual ou contemporânea) do imputado. [2]

Devir sancionatório

Por essas ponderações fica ainda mais evidente a invalidade da fundamentação posta no entendimento de que fatos praticados por organização criminosa denotam mais gravidade e dispensa da atualidade do perigo, isso, pois, decisões assim não atendem ao caso concreto e se prestam a (in)fundamentar qualquer caso, posto que, genéricas e imotivadas.

A fim de exemplificar a tese aqui defendida: se um acusado do cometimento do crime de integrar organização criminosa (artigo 2o da lei 12.850/13) em 2017, tem sua prisão preventiva decretada em 2025, sob argumento de que a prisão é necessária para resguardar a ordem pública porque envolve a participação em organização criminosa de alta periculosidade, ainda que não tenha qualquer elemento de que continuou na organização criminosa ou persistiu em outra, e; outro acusado em semelhante situação, exceto pelo tempo do fato e antecedentes, este praticado em 2024, tem sua prisão preventiva também decretada. Pergunta-se: qual decisão desperta maior segurança quanto à aplicação das normas?

É proporcional que o acusado pelo cometimento de fato ocorrido há quase dez anos, que seguiu sua vida longe de qualquer notícia de prática delituosa, suporte a mesma medida aplicada a alguém que foi acusado de praticar o mesmo delito há menos de um ano e possui antecedentes?

Se a resposta à última pergunta for positiva, encaremos que se trata de aplicação da medida pessoal coercitiva para fins de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal, uma vez que nos dois fatos a semelhança é o delito imputado.

Logo, nada mais adequado que definir a prisão preventiva como devir sancionatório.

Devir, do latim devenire, vir-a-ser, tornar-se [3]; o conceito filosófico que se amolda ao presente estudo, enquanto processo de transformação constante. Da prisão cautelar (situação de perigo criada pela conduta atual ou contemporânea do acusado) que torna-se prisão em caráter de sanção, vez que fundamentada tão somente na conduta imputada.

De modo que, a depender do tipo penal — mormente os da Lei 12.850/13 e Lei 11.343/06 —, as cortes são mais tolerantes às decisões genéricas e desprovidas de elementos do caso concreto.

Uns crimes são maiores

Isso é dizer, há crimes que são mais crimes que outros. Por isso, a análise e enfrentamento às razões lançadas pela acusação surtem mais efeito quando elencadas nas mencionadas leis criminais. Em nosso sentir, como já dito, tais fundamentos tornam a decisão nula por não atender ao dever de fundamentação das decisões judiciais.

Em conclusão, no início deste artigo foi apresentada a Lei Federal 13.964/19, que expressamente disse o óbvio e proibiu a prisão preventiva com “finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia” (§ 2º, 313, CPP). Portanto, não nos parece que a-lei-não-disse-aquilo-que-tinha-que-dizer, do contrário, disse-tudo-aquilo-que-tinha-que-dizer, posto que o que falta é boa vontade e seriedade do julgador ao realizar o enfrentamento ao pleito de prisão cautelar, enquanto magistrados(as) se deixarem seduzir pelo “canto das sereias” (Streck), prisões injustas seguirão sendo decretadas e reautorizadas pelas Cortes país afora.

É necessário romper com o devir sancionatório. Prisão cautelar é excepcional e deve ter deferimento excepcional, o juiz pode lançar mão da grave prisão quando esgotadas as outras medidas diversas (319, CPP), porquanto, a prisão é sempre medida residual.

 [1] Nesse sentido: STJ – AgRg no RHC: 198290 SC 2024/0180909-9, Relator.: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Julgamento: 12/08/2024, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/08/2024;

TJ-PA – HABEAS CORPUS CRIMINAL: 08184404420238140000 18298676, Relator.: ROMULO JOSE FERREIRA NUNES, Data de Julgamento: 27/02/2024, Seção de Direito Penal.

[2] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 20 Ed. Saraiva Jur. São Paulo. 2023, p. 692.

[3] https://michaelis.uol.com.br/busca?id=XWKq

quarta-feira, 9 de abril de 2025

 máxima proteção

Congresso aumenta pena por homicídio ou lesão contra juiz ou membro do MP

8 de abril de 2025, 22h08

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (8/4) um projeto de lei que torna qualificados os crimes de homicídio e lesão corporal dolosa praticados contra membros do Ministério Público ou da magistratura em razão do exercício da função ou em decorrência dela. A proposta será enviada à sanção presidencial.

Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados
Congresso aumentou a pena por homicídio ou lesão contra juiz, defensor público, promotor e oficial de Justiça

Para o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), o projeto reconhece a importância dos profissionais

Os deputados aprovaram em Plenário três emendas do Senado que incluem os membros da Advocacia-Geral da União, os procuradores estaduais e do Distrito Federal, os oficiais de Justiça e os defensores públicos nessa lista sobre qualificação dos crimes.

O texto que irá à sanção é um 
substitutivo do relator, deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), para o Projeto de Lei 4.015/2023, do ex-deputado Evandro Rogério Roman (PSD-PR). Pereira Júnior disse que não seria justo contemplar apenas duas categorias com as garantias. “A luta incessante dessas categorias foi o que permitiu a aprovação da matéria”, declarou.

Segundo o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a casa faz justiça a categorias importantes, que ajudam na atuação do Judiciário como um todo. “Incluir os oficiais de Justiça, os defensores públicos e os advogados públicos é uma maneira de igualar as carreiras e reconhecer a importância desses homens e mulheres ajudando em um Judiciário mais eficiente.”

Aumento de pena

No Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940), o homicídio qualificado prevê pena de 
reclusão de 12 a 30 anos. O agravante proposto pelo projeto poderá ser aplicado ainda quando o crime for cometido contra cônjuge, companheiro ou parente, inclusive por afinidade, até o terceiro grau, em razão desse parentesco com os detentores dos cargos citados. Já a lesão dolosa terá aumento de pena de um terço a dois terços nas mesmas situações.

O texto também considera o homicídio qualificado, a lesão corporal gravíssima e a lesão seguida de morte contra essas pessoas.

Segundo o Código Penal, são consideradas lesões de natureza gravíssima aquelas das quais resultam incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável; perda ou inutilização de membro, sentido ou função; deformidade permanente; ou aborto.

Condenados por crimes hediondos não podem contar com anistia, graça e indulto ou fiança, e a pena começará a ser cumprida em regime fechado.

Medidas de proteção

As emendas aprovadas incluem, junto com membros do Ministério Público e da magistratura, as atividades dos defensores públicos entre aquelas consideradas de risco permanente, independentemente de a área de atuação ser penal ou extrapenal.

A garantia de confidencialidade de suas informações cadastrais e de dados pessoais e de familiares indicados pelos magistrados, defensores públicos, membros do Ministério Público e oficiais de Justiça passa a ser uma diretriz da política de proteção, juntamente com a garantia de escolta e de aparatos de segurança disponíveis que possam ajudar em sua proteção.

A proteção especial deverá ser solicitada à polícia judiciária por meio de requerimento instruído com a narrativa dos fatos e eventuais documentos pertinentes. O processo sobre esse pedido tramitará com prioridade e em caráter sigiloso, devendo as primeiras providências serem adotadas de imediato.

Segundo o projeto aprovado, os membros da AGU e das procuradorias estaduais não contarão com essas medidas de proteção, pois as emendas não contemplaram essas categorias. Com informações da Agência Câmara.

Pescaria do MP

 STJ vê pesca probatória e anula provas contra médica acusada de antecipar mortes em UTI

São nulas as provas decorrentes da busca e apreensão de 1.670 prontuários médicos do Hospital Evangélico de Curitiba que embasaram mais de 80 inquéritos e ações penais contra uma médica acusada de antecipar mortes de pacientes, uma vez que houve no caso a prática de pesca probatória.

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Juíza explicou que ações por eventuais erros médicos ocorridos na rede pública devem ser ajuizadas contra o Estado e não contra o médico

Pesca probatória ocorreu no acesso a prontuários de pacientes que morreram na UTI em que a médica atuava

A conclusão é da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento ao recurso em Habeas Corpus ajuizado pela defesa da médica.

A decisão favorável à defesa se deu porque a 5ª Turma registrou empate por 2 votos a 2, já que o desembargador convocado Carlos Cini Marchionatti não pôde votar por não ter visto a sustentação oral. Aplicou-se a Lei 14.836/2024.

Prevaleceu o voto divergente do ministro Joel Ilan Paciornik, acompanhado pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Para eles, a ordem que autorizou a busca e apreensão dos prontuários foi genérica e configurou pesca probatória.

Pesca probatória.

O Ministério Público do Paraná pediu o acesso ao elevado número de prontuários de pacientes que morreram na unidade de terapia intensiva (UTI) do hospital por suspeitar que eles poderiam ter tido a morte acelerada por decisão da médica.

Os prontuários se referem ao período de 1º de janeiro de 2006 a 23 de fevereiro de 2013. No processo principal, que originou a investigação, a médica acabou absolvida por ausência de comprovação da materialidade e da autoria delitiva.

Ainda assim, a investigação gerou outras 80 persecuções criminais por homicídio doloso e qualificado.

Com a nulidade dessas provas reconhecida, agora o MP-PR poderá pedir nova decisão judicial de acesso a prontuários, desde que justificando a necessidade com base em informações constantes nas investigações.

Voto vencido

Ficaram vencidos os ministros Ribeiro Dantas, relator do recurso em Habeas Corpus, e Messod Azulay. Para eles, não há pesca probatória que justifique a anulação da decisão de busca e apreensão.

Isso porque a apuração se limitou a período de tempo certo, ainda que amplo, referiu-se a parcela específica do hospital, apenas para verificar a possível prática criminosa quanto a pacientes que, naquele contexto, foram a óbito.

RHC 195.496