quinta-feira, 12 de março de 2020


A execução provisória em condenações no Tribunal do Júri
Rodrigo Faucz Pereira e Silva
Foi sancionado no final de 2019 a lei 13.964, derivada do chamado projeto do pacote anticrime, alterando diversos dispositivos do Código Penal, do Código de Processo Penal, da Lei de Execuções Penais e outras leis da matéria. Certamente a alteração que desperta os debates mais acalorados foi a criação do juiz de garantias, o qual tem como intuito, em última análise, impedir que um juiz que tenha tido contato com os atos investigativos seja o responsável pela instrução e, consequentemente, por julgar o caso.
No entanto, o objetivo deste artigo é analisar a execução provisória da pena no procedimento do julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Trata-se, na verdade, da única modificação expressa do capítulo relacionado ao tribunal do júri. Institui-se a letra “e”, no inciso “I”, do art. 492, bem como dos parágrafos 3o, 4o, 5o e 6o deste mesmo artigo:

Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que:
I - no caso de condenação:
(...)
e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos;
(...)
§ 3º O presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas de que trata a alínea e do inciso I do caput deste artigo, se houver questão substancial cuja resolução pelo tribunal ao qual competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da condenação.
§ 4º A apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo.
§ 5º Excepcionalmente, poderá o tribunal atribuir efeito suspensivo à apelação de que trata o § 4º deste artigo, quando verificado cumulativamente que o recurso:
I - não tem propósito meramente protelatório; e
II - levanta questão substancial e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão.
§ 6º O pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito incidentemente na apelação ou por meio de petição em separado dirigida diretamente ao relator, instruída com cópias da sentença condenatória, das razões da apelação e de prova da tempestividade, das contrarrazões e das demais peças necessárias à compreensão da controvérsia.

Como pode ser verificado, a letra “e” prevê que o juiz presidente do Tribunal do Júri, ao proferir decisão condenatória, decretará a execução provisória da pena, caso esta seja superior a 15 anos de reclusão.

Isto é, não obstante as discussões recentes sobre a antecipação do cumprimento da pena a partir do segundo grau de jurisdição, cria-se a execução da pena a partir de decisão em primeiro grau de jurisdição, tendo como justificativa a condenação pelo conselho de sentença a uma pena elevada. Todavia, ao determinar a prisão do condenado sem o trânsito em julgado de sentença penal, viola-se o princípio constitucional da presunção de inocência previsto no inciso LVII da Constituição Federal (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), bem como o princípio do duplo grau de jurisdição, expresso como garantia judicial mínima no Pacto de San José da Costa Rica no artigo 8, II, h (“direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”). Voltaremos neste tópico e sua relação com o princípio da soberania nas considerações finais.

Ainda, perceba-se que o art. 283 do CPP também foi alterado pela mesma lei, até mesmo como forma de esclarecer a matéria de prisões processuais. A novel redação dispõe que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado”. Destarte, apenas por intermédio da prisão em flagrante ou da prisão cautelar é que alguém poderá ser preso antes do trânsito em julgado de sentença condenatória. Considerando que a sentença condenatória de primeira instância não se trata de modalidade de prisão cautelar, o art. 492, “e”, está em conflito direto com a normativa específica da matéria.

Recorda-se também da ADC 43 julgada pelo Supremo Tribunal Federal, a qual, em discussão sobre a constitucionalidade do art. 283 do CPP, definiu pela necessidade de interpretação literal do inciso LVII da Constituição, inviabilizando a execução imediata de condenação em segunda instância. Ora, se está vedada a execução da pena de condenações em segunda instância, o que dirá da condenação em primeira instância – caso do Tribunal do Júri.

Sendo assim, a previsão de antecipação de pena aplicada pelo juiz presidente – frise-se, em primeira instância –, basicamente instituindo uma nova modalidade de permissão legal de execução de pena antes do trânsito em julgado, é incompatível com a ordem constitucional e conflitante com normativa específica do próprio Código de Processo Penal.

A lei também previu no parágrafo 3o que o juiz presidente poderá deixar de executar imediatamente a pena superior a 15 anos, caso haja “questão substancial cuja resolução pelo tribunal ao qual competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da condenação”.

Sobre esta previsão teremos que acompanhar como os tribunais irão interpretar termos altamente subjetivos. Entretanto, o único entendimento constitucional deve ser da não determinação da execução antecipada da pena quando seja arguido, durante a sessão, qualquer questão que possa ser sustentada em sede de apelação. Ou seja, caso a defesa tenha consignado em ata ter ocorrido alguma nulidade durante o julgamento, o magistrado deverá possibilitar ao acusado recorrer em liberdade, tendo em vista ser – ao menos no campo hipotético – possível uma decisão de anulação da sessão pelo Tribunal de Justiça Estadual (ou TRF).

A possibilidade de recorrer em liberdade também deve ser permitida ao acusado que tenha demonstrado irresignação com o resultado, eis que o princípio do duplo grau de jurisdição não pode ser ignorado.

Por sua vez, o parágrafo 4o reforça o entendimento de execução imediata da pena, ao extinguir o efeito suspensivo de apelações interpostas de decisões condenatórias do júri cujas penas forem superiores a 15 anos.

Contudo, no parágrafo seguinte, a lei prevê que (a) se o recurso de apelação não tiver caráter meramente protelatório e (b) se este recurso levantar “questão substancial e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão”, o relator poderá conceder efeito suspensivo.

Assim sendo, a alteração legislativa do parágrafo 4o, retira o efeito suspensivo do recurso de apelação das decisões do tribunal do júri quando as penas aplicadas sejam superiores a 15 anos, mas confere ao relator da apelação a possibilidade de conceder este efeito caso entenda que o recurso não é protelatório. Essa redação, além de confusa, desconsidera o fundamento do próprio recurso.

Explica-se: o art. 593, inciso III, do CPP, prevê as hipóteses de cabimento da apelação, todas elas relacionadas ao inconformismo da decisão do júri e da ocorrência de eventuais nulidades. Isto é, traz requisitos que precisam ser apontados e embasados para que o recurso seja válido. Assim, a “questão substancial” que pode resultar em absolvição, anulação ou novo julgamento, é intrínseca a todos os recursos de apelação válidos. Desta forma, a não ser que a apelação não possa ser conhecida por ser absolutamente esdrúxula (pense-se na arguição de uma nulidade relativa sobre um fato que não esteja na ata de julgamento e que sequer tenha indícios de sua ocorrência), é que se poderá falar em não cumprimento do requisito para concessão de efeito suspensivo.

Repisa-se que não há como sustentar que a apelação seja protelatória quando ela está calcada no inconformismo do resultado, sendo um instrumento legalmente previsto para alcançar seus fins. O direito ao recurso é próprio do duplo grau de jurisdição e inerente ao devido processo legal. Assim sendo, caso o acusado não concorde com sua condenação, tem o direito de recorrer sem que isso seja interpretado como “protelatório” ou “abusivo”. Erros judiciais são passíveis de ocorrer e o acusado deve ter um instrumento jurídico hábil para não ficar exposto a arbitrariedades de qualquer espécie.

Já o parágrafo 6o do artigo 492 é totalmente dispensável, eis que determina que o pedido de concessão do efeito suspensivo deverá ser pedido na própria petição ou em separado (existiria outra forma?), e que o recorrente deve instruir o pedido com “cópias da sentença condenatória, das razões da apelação e de prova da tempestividade, das contrarrazões e das demais peças necessárias à compreensão da controvérsia”. Em tempos de processo eletrônico, todas as peças estão à disposição das partes e, principalmente, do órgão julgador. Além do mais, mesmo quando não se trata de processo eletrônico, qualquer postulante sabe que a petição deve ser instruída com documentos e eventuais peças do processo no intuito de fundamentar seus argumentos.

Considerações finais

Após os comentários de cada um dos dispositivos inovadores da nova lei, chama-se atenção à justificativa do ministro Sergio Moro para defender a execução imediata da pena, baseando-se principalmente no princípio da soberania dos veredictos. Entretanto, imprescindível relembrar que o princípio da soberania está sistematicamente estabelecido na Constituição no título referente aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, devendo ser considerado exatamente, oras, como um direito e garantia de cada cidadão(!); assim, não pode jamais ser interpretado como fundamento de restrição de direitos, e sim como um instrumento de proteção. A soberania conceitualmente pode impedir a revisão de mérito das decisões do júri1, mas nunca servirá para impedir que o condenado tenha acesso ao duplo grau de jurisdição – que, por sinal, também constitui uma garantia fundamental. Além disso, o fato de o conselho de sentença ser um órgão coletivo não o torna (mais) imparcial ou (mais) garantidor, eis que suas decisões são secretas, não fundamentadas e tomadas pela íntima convicção.

Deste modo, argumentar que a soberania dos veredictos exige a execução instantânea da pena é uma blasfêmia democrática, eis que, além de desconsiderar sua natureza de garantia, ainda transgride diretamente outros princípios constitucionais fundantes do Estado de Direito, como o princípio da presunção da inocência, do devido processo legal e, especificamente para o júri, o princípio da plenitude de defesa.

Outrossim, a criação de uma nova modalidade de prisão sem o trânsito em julgado apenas para crimes de competência do tribunal do júri é um contrassenso, violando também o princípio da igualdade, eis que crimes dolosos contra a vida não se distinguem, ao menos em desvalor de gravidade, a outros crimes como o de latrocínio, genocídio, estupro com resultado morte, dentre outros.

Por derradeiro, importa ponderar, por mais que a única alteração expressa no procedimento do júri tenha sido a explicitada neste artigo, que o procedimento do júri será (ou deveria ser) diretamente impactado com as modificações previstas no artigo 3o da lei, vez que toda sistemática deverá ser interpretada a partir da matriz acusatória (art. 3-A). 

Assim, para que se concretize a proteção igualmente no júri, é imperioso, por exemplo, a implementação do juiz de garantias também para os casos de crimes dolosos contra a vida, o não apensamento do caderno investigativo no processo e o respeito à separação das funções constitucionalmente demarcadas de cada uma das partes.


quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Lei 13.880/2019: determina a apreensão da arma de fogo sob posse de agressor em casos de violência doméstica


Lei 13.880/2019: determina a apreensão da arma de fogo sob posse de agressor em casos de violência doméstica
Dizer Direito - quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Foi publicada hoje a Lei nº 13.880/2019, que altera a Lei Maria da Penha para determinar que, se o autor da violência doméstica tiver uma arma de fogo (ainda que em casa ou no trabalho), ela deverá ser apreendida.

Vamos entender a alteração.

Providências que deverão ser adotadas pela autoridade policial
Quando o Delegado de Polícia tiver conhecimento de que uma mulher foi vítima de violência doméstica ele deverá fazer o registro da ocorrência e, em seguida, adotar, de imediato, uma lista de procedimentos que estão previstos no art. 12 da Lei nº 11.340/2006.
Algumas das providências que o Delegado deverá adotar:
• ouvir a ofendida;
• colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;
• determinar a realização de exame de corpo de delito da ofendida.
• ouvir o agressor e as testemunhas;
• ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele.

O que faz a Lei nº 13.880/2019?
Acrescenta o inciso VI-A ao art. 12, prevendo mais uma providência que o Delegado deverá, obrigatoriamente, tomar:
Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
(...)
III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;
(...)
VI-A - verificar se o agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo e, na hipótese de existência, juntar aos autos essa informação, bem como notificar a ocorrência à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento); (Incluído pela Lei nº13.880/2019)

Desse modo, a autoridade policial deverá pesquisar, no banco de dados próprio, se o suposto autor da violência doméstica possui registro de porte ou posse de arma de fogo.
Se o agressor tiver, o Delegado deverá tomar duas providências:
• notificar a ocorrência dessa suposta violência doméstica à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte;
• informar, no pedido de medidas protetivas que é encaminhado ao juiz, que o agressor possui esse registro.

Qual é a finalidade de a autoridade policial notificar à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte?
Permitir que a instituição analise a situação e casse o registro da posse ou o porte.

Qual é a finalidade de a autoridade policial informar nos autos a existência da arma?
O juiz, ao receber os autos, constatando que o suposto agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo, deverá determinar, como medida cautelar, a apreensão desta arma. Isso também foi acrescentado pela Lei nº 13.880/2019:
Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida (pedido tratado no inciso III do art. 12 acima), caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:
(...)
IV - determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor. (Incluído pela Lei nº13.880/2019)

Vigência
A Lei 13.880/2019 entrou em vigor na data de sua publicação (09/10/2019).

quarta-feira, 15 de maio de 2019


A Lei 13.827/19 e a aplicação de medidas protetivas de urgência pelas autoridades policiais


15 de maio de 2019

A Lei 13.827/19 e a aplicação de medidas protetivas de urgência pelas autoridades policiais
Na data de ontem (14 de maio de 2019) foi publicada no Diário Oficial da União, com vigência imediata, a Lei n. 13.827, que altera a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06) para autorizar a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, à mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.
A Lei n. 13.827, de 13 de maio de 2019, prevê em seu artigo 1º que a alteração da Lei Maria da Penha visa autorizar a concessão de medida protetiva de urgência pela autoridade policial, sendo acrescido na Lei n. 11.340/06 o art. 12-C, II e III, que o delegado de polícia e policial são legitimados para concederem as medidas protetivas.
Nota-se, portanto, que o legislador referiu-se à autoridade policial como gênero, dos quais são espécies os policiais civis e militares.
O art. 12-C da Lei Maria da Penha traz requisitos para que a autoridade policial conceda medidas protetivas de urgências, consistentes em risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes.
Em se tratando de delegado de polícia, para que possa conceder a medida protetiva, o município em que atua não pode ser sede de comarca. Caso se trate de outro policial (civil ou militar), é necessário que além do município não ser sede de comarca, não haja delegado disponível no momento da denúncia, por qualquer motivo (férias, licença, dificuldades de contatar o delegado plantonista etc).
Destaco que a autoridade policial legitimada a conceder a medida protetiva de urgência pode ser o Escrivão, o Agente de Polícia e do Soldado ao Coronel da Polícia Militar.
Trata-se o que podemos chamar de legitimidade condicionada.
Frisa-se que a permissão legal para que a autoridade policial conceda medida protetiva de urgência exige que o local dos fatos não seja sede de comarca, por presumir que nestes casos haverá uma maior demora, em razão da distância e trâmites necessários para remeter os autos para o juiz competente.
Ocorre que esse critério não pode ser interpretado de forma absoluta, pois é comum, em vista da realidade do país, que muitas cidades com ampla extensão territorial possuam moradores que residem em locais distantes da sede da comarca, sobretudo em áreas rurais.
A título exemplificativo, o município de Cavalcante (comarca em que este juiz é titular), situado em Goiás, possui uma área de 6.954 km², e parte dos moradores de Cavalcante residem próximo a Minaçu, na comunidade Vila Vermelho e na região do Carmo, que ficam cerca de 200 quilômetros de distância da sede da comarca.
Noutro giro, o município de Teresina de Goiás não possui fórum e a sede da comarca fica em Cavalcante, que fica cerca de 24 quilômetros de distância daquele município.
Ora, é de todo incongruente permitir que a autoridade policial conceda medidas protetivas de urgências para as vítimas de violência doméstica que residem em Teresina de Goiás e não conceda para as ofendidas que moram em Cavalcante.
Portanto, em casos excepcionais, ainda que o município seja sede de comarca, a autoridade policial pode e deve conceder medidas protetivas de urgência.
Assim, tem-se os seguintes pressupostos para a concessão da medida protetiva pelos policiais:
1.      Risco atual ou iminente à vida ou à integridade física;
2.      Vítima mulher ou seus dependentes;
3.      Situação de violência doméstica e familiar;
4.      Legitimidade condicionada da autoridade policial.
Presentes os pressupostos mencionados a autoridade policial deverá determinar o afastamento imediato do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida.
Trata-se de um poder-dever. A autoridade policial não tem discricionariedade. Sempre que presentes os pressupostos deverá determinar o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida.
A Lei n. 13.827/19 foi clara ao dizer no art. 12-C que “Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor SERÁ imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:”;
A única medida protetiva de urgência que pode ser concedida pelas autoridades policiais é o afastamento imediato do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida.
As demais medidas, como proibição de manter contato com a ofendida e de se aproximar da vítima continuam sendo de exclusividade do juiz.
Nota-se que não há previsão legal para que o Ministério Público conceda as medidas protetivas de urgência.
Sempre que a autoridade policial conceder a medida protetiva de urgência deverá, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas comunicar o juiz competente que terá 24 (vinte e quatro) horas para decidir sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente (art. 12-C, § 1º, da Lei n. 11.340/06).
Dada a urgência da medida, o legislador optou por não obrigar o juiz a ouvir o Ministério Público antes de decidir sobre a manutenção ou revogação da medida aplicada pela autoridade policial, pois a lei menciona que o juiz decidirá em 24 (vinte e quatro) horas e dará ciência ao Ministério Público.
A Lei n. 13.827/19 passou a prever no art. 12-C, § 2º, da Lei Maria da Penha que “Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.”
O Superior Tribunal de Justiça possui julgado que afirma não ser possível a decretação da prisão preventiva nos casos de contravenção penal, como a vias de fato, e em um caso concreto, em que havia ocorrido “puxões de cabelo, torção de braço (que não geraram lesão corporal) e discussão no interior de veículo, onde tentou arrancar dos braços da ex-companheira o filho que têm em comum” decidiu pela impossibilidade da prisão por violação ao art. 313, III, do Código de Processo Penal, que menciona ser possível a prisão somente nas hipóteses de crimes (HC 437.535/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018).
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Diante da nova previsão legal as razões de ser do julgado perdem o sentido, na medida em que a Lei n. 13.827/19 proibiu a concessão de liberdade provisória ao preso sempre que houver risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, sem restringir às hipóteses de ocorrência de crimes, razão pela qual deve englobar as contravenções penais, em observância ao princípio da proibição de proteção deficiente.
Por “preso” deve-se entender todo aquele que foi preso em flagrante delito em situação de violência doméstica e familiar.
Os números de homicídios e agressões praticadas contra mulher são alarmantes. Cerca de 12 (doze) mulheres são assassinadas diariamente no Brasil.
Deve ser feita uma interpretação sistemática que conceda maior proteção à mulher. De tempos em tempos a legislação tem se aperfeiçoado na proteção à mulher e medidas públicas são adotadas com o fim de prevenir e reprimir a violência doméstica.
Entre o risco à vida e à integridade física da mulher e a liberdade do agressor que praticou contravenção penal de vias de fato, deve-se primar pela primeira, conforme disposto no § 2º do art. 12-C da Lei n. 11.340/06.
Deve-se destacar que quando a autoridade policial conceder medida protetiva de urgência, caso o agressor descumpra a ordem, antes do juiz mantê-la, não praticará o crime previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha, pois este crime exige para a sua caracterização que a medida protetiva de urgência tenha sido concedida por decisão judicial.
Enquanto o afastamento não é analisado judicialmente possui título de decisão extrajudicial de natureza policial. A partir do momento em que o juiz mantém a ordem da autoridade policial o fundamento jurídico que afasta o agressor do lar passa a ter natureza jurídica de decisão judicial, motivo pelo qual será possível responsabilizar o agressor pelo crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência.
Em que pese não se tratar do crime previsto no art. 24-A da Lei 11.340/06 quando o agressor descumprir a ordem de afastamento do lar emitida pela autoridade policial, a desobediência caracteriza o crime de desobediência previsto no art. 330 do Código Penal (desobediência).
Com efeito, a jurisprudência é pacífica (STJ – HC 305.409/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 15/04/2016) que quando houver descumprimento de ordem de autoridade e houver previsão em lei das consequências do descumprimento, não se configura o crime de desobediência, como era o caso do descumprimento de medida protetiva determinada judicialmente, pois o juiz poderia impor outras medidas, inclusive, decretar a prisão preventiva do ofensor, uma vez que as medidas de proteção são progressivas.
Isto é, antes da Lei 13.641, de 03 de abril de 2018, que passou a prever o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência (art. 24-A da Lei 11.340/06), quando o agente descumpria ordem judicial poderia, no máximo, sofrer como consequências a fixação de outras medidas cautelares e a decretação da prisão preventiva.
Após a criação do tipo penal previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha, o ofensor poderá, além de ser preso pelo descumprimento de medida protetiva, responder e ser preso pelo novo delito.
Isso porque o § 4º do art. 282 do Código de Processo Penal assevera que “No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).”
As obrigações impostas a que se refere o art. 282, § 4º, do CPP são decretadas pelo juiz (art. 282, § 2º, do CPP).
O art. 312, parágrafo único, do Código de Processo Penal possibilita a prisão preventiva em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).
O art. 313, III, do Código de Processo Penal prevê, nos termos do art. 312 do CPP, a possibilidade de se decretar a prisão preventiva para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.
Portanto, somente nos casos em que o juiz fixar medidas protetivas de urgência é que o Código de Processo Penal traz como consequência a possibilidade de se decretar a prisão preventiva, em que pese, na prática, o descumprimento da medida protetiva fixada pela autoridade policial servir como substrato fático idôneo e fundamentação suficiente para a decretação da prisão preventiva de imediato.
Dessa forma, sob o ponto de vista penal, como no caso de descumprimento de medida protetiva de urgência fixada pela autoridade policial não possui consequências jurídicas processuais fixadas em lei, haverá o crime de desobediência previsto no art. 330 do Código Penal.
Com a publicação da Lei n. 13.827/19 surgem correntes acerca de sua constitucionalidade, basicamente, sob três vertentes.
primeira corrente sustenta ser inconstitucional, pois a competência para a concessão de medidas protetivas de urgência é exclusiva da autoridade judiciária, por envolver restrição a direitos fundamentais.
Tal argumento não deve prosperar, pois a exclusividade do Poder Judiciário é quanto à prisão fora das hipóteses de flagrante delito, de transgressão militar ou de crime propriamente militar (art. 5º, LXI, da CF), sendo que em qualquer caso a prisão será comunicada ao juiz que poderá relaxá-la, mantê-la ou conceder liberdade provisória com ou sem medidas cautelares diversas da prisão.
De mais a mais o delegado de polícia pode conceder medida cautelar diversa da prisão, como é o caso do arbitramento de fiança nas infrações cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 04 (quatro) anos.
Art. 322.  A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Parágrafo único.  Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.
Portanto, não há nenhuma inconstitucionalidade na possibilidade prevista em lei para que autoridades policiais concedam medida protetiva de urgência de afastamento imediato do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida.
segunda corrente afirma ser inconstitucional no ponto em que autoriza o policial, sem ser o delegado de polícia, a conceder medida protetiva de urgência, pois dentre os policiais somente o delegado de polícia pode restringir direitos fundamentais, por ser o único legitimado a confeccionar auto de prisão em flagrante e arbitrar fiança. Além do mais, os policiais não possuem, em sua maioria, formação jurídica.
Essa corrente não se sustenta, pois todo e qualquer policial possui formação jurídica necessária para a atividade policial, tanto é que devem, a todo momento, analisar cada ocorrência policial para adoção das providências legais, realizando, ainda que superficialmente, um análise se houve crime e quais providências devem ser adotadas.
Os policiais possuem ainda poderes para restringirem, momentaneamente, a liberdade de uma pessoa até passarem a ocorrência para o delegado de polícia, que será responsável por decidir se haverá a lavratura do auto de prisão em flagrante e a sua ratificação, com a consequente restrição da liberdade ou concessão de liberdade provisória.
No caso da Lei n. 13.827/19 não é necessário que se exija bacharelado em direito para risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes.
A formação jurídica que os policiais possuem para a atividade policial é suficiente para a análise da concessão de medida protetiva de urgência de afastamento imediato do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida.
Outrossim, os policiais também podem restringir momentaneamente direitos fundamentais, o que ocorre com a “voz de prisão” e condução de um agente de crime para a Delegacia.
Em se tratando de medida protetiva de urgência concedida por um policial será comunicada no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas ao juiz competente, que decidirá em igual prazo sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada.
Portanto, há um juízo de legalidade da medida aplicada a ser realizado pela autoridade judiciária, o que vem a legitimar a atuação policial em casos extremos.
terceira corrente, defendida pelo Professor e Delegado Thiago Garcia (postagem feita no instagram @deltathiago), afirma que a Lei n. 13.827/19 é inconstitucional quando autoriza que a autoridade policial conceda medita protetiva de urgência somente nos casos em que o município não for sede de comarca.
Isso porque trata de forma desigual mulheres que se encontram na mesma situação fática.
Thiago Garcia cita como exemplo a seguinte situação: “Maria mora em uma cidade pequena que não é sede de Comarca e está em perigo. O Delegado pode determinar imediatamente que o agressor deixe a casa do casal; Rosana mora em uma cidade grande que é sede de Comarca e está em perigo. Nesse caso, a lei permite que a protetiva judicial até 96 horas para sair (art. 12, III e art. 18, caput, LMP).”
Concordamos com a inconstitucionalidade acima descrita, pois há um tratamento diferenciado para situações iguais.
O fato de ser sede da comarca não implica dizer que haverá a concessão imediata de medida protetiva de urgência, pois a própria Lei Maria da Penha concede o prazo de 48 (quarenta e oito) horas para que o delegado de polícia remeta ao juiz o pedido da ofendida para a concessão de medidas protetivas de urgência (art. 12, III) além de prever o prazo de mais 48 (quarenta e oito) horas para o juiz decidir (art. 18).
Isto é, para as mulheres que residem em cidades menores, que não contem com a presença de um juiz, haverá afastamento imediato do agressor do lar, mas para as cidades que contem com a presença do juiz, o prazo é de 96 (noventa e seis) horas.
Há uma incongruência enorme na lei, o que pode ser resolvido por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, ocasião em que o STF poderá declarar inconstitucional a expressão “quando o Município não for sede de comarca”, prevista nos incisos II e III do art. 12-C da Lei Maria da Penha, o que permitirá que o delegado de polícia aplique a medida protetiva de urgência de afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, em qualquer caso, e que os policiais apliquem a referida medida quando não houver delegado disponível no momento da denúncia.
A finalidade da lei é proteger qualquer mulher de agressões e, consequentemente, resguardar a sua vida e integridade física, razão pela qual incide em manifesta inconstitucionalidade ao dar tratamento diferenciado que faça incidir grupos de mulheres em proteção deficiente.
Por fim, a Lei n. 13.827/19 criou um banco de dados para que o juiz registre as medidas protetivas de urgência, que deve ser mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas (art. 38-A da Lei 11.340/06).


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Reflexão sobre Compliance e Ética Social





21 de fevereiro de 2019/em ÉticaFraudesIntegridade /por Alexandro Rudolfo de Souza Guirão

Meu sentir é de que o COMPLIANCE é um estilo de vida, uma cultura que reflete no comportamento dos indivíduos em qualquer ambiente em que ele se encontre. Acredito que o indivíduo não nasce ético ou moral. Nasce, sim, puro, sem VÍCIOS comportamentais, os quais podem ser adquiridos com a formação da sua personalidade, em decorrência de formação moral e ética familiar ou social, decorrente de fatores culturais, territoriais, religiosos, temporais… inclusive fatores econômicos.

 As mesmas forças e influências que incutem vícios no indivíduo podem, por outro lado, fortalecer as VIRTUDES dele. Esse indivíduo, VIRTUOSO, com comportamento ético e moral irretocável, está apto a comportar-se da maneira esperada pelos ambientes sociais e econômicos onde ele transita durante sua vida.

 Vislumbro na expressão COMPLIANCE (ou to comply) uma atual definição de ÉTICA SOCIAL, ou seja, da conduta ou comportamento esperado do indivíduo num ambiente coletivo. Seus comportamentos individuais, isolados, distantes do ambiente social/coletivo (no seu íntimo, portanto, protegidos pela sua esfera privada, o seu “moral”), pouco influenciam no ideal de compreensão de COMPLIANCE, no meu ver.

 Para a compreensão de COMPLIANCE, como atual definição de ÉTICA SOCIAL, precisamos identificar o indivíduo com seu meio ambiente (corporativo, público, acadêmico). Pois é nesses ambientes que será “cobrado” quanto a sua INTEGRIDADE, CONFORMIDADE e ADESÃO aos instrumentos ÉTICOS delineados por cada ambiente social em que ele convive. Nesse sentido, nesses ambientes, o indivíduo abandona certas convicções e tem que se comportar de acordo com o que esse ambiente espera dele. Isso depõe em seu favor, do ponto de vista dos demais indivíduos e do próprio meio ambiente social em que ele convive, obviamente se ele se comportar CONFORME o esperado (e o que se espera dele é INTEGRIDADE, HONESTIDADE e ADESÃO ESPONTÂNEA).

Considerando que o COMPLIANCE está presente em todas as esferas da sociedade, o valor da honestidade é facilmente percebido nas pequenas práticas e comportamentos dos indivíduos na vida cotidiana. Ainda que exista a oportunidade de um benefício próprio indevido, o indivíduo verdadeiramente comprometido com a honestidade, opta pelo caminho correto.

Alinhado à compreensão de COMPLIANCE acima indicada, de se observar que o SISTEMA DE INTEGRIDADE CORPORATIVA NUMA ORGANIZAÇÃO não parte exclusivamente de um indivíduo.

 Parte de um IDEAL que a corporação (ou organismo público, acadêmico, organismo setorial, etc) pretende que seja RESPEITADO E PRATICADO por todos aqueles que com ela se inter-relacionam (alta direção, colaboradores, terceiras partes, clientes e fornecedores, público em geral). Gosto de comparar o SISTEMA DE INTEGRIDADE como um IDEAL a ser alcançado pela organização, assim como a NORMA JURÍDICA, INTEGRANDO O ORDENAMENTO JURÍDICO, REPRESENTA UM IDEAL DE SOCIEDADE. Não um ideal UTÓPICO, mas sim um IDEAL ALCANÇÁVEL.

 Assim, Lamboy (2017, p. 11), explica que o sistema de integridade se presta “à prevenção de ocorrência de fraudes, principalmente por meio da criação de uma cultura de COMPLIANCE que atinja todos os colaboradores”, com fundamento na preservação da “responsabilidade civil e criminal de proprietários, conselheiros e executivos, pois reduz e previne erros de administração” (LAMBOY, 2017, p. 12), principalmente nas corporações em que a decisão é colegiadas ou ainda naquelas em que os colaboradores de nível gerencial (ou mesmo até mais distantes da Alta Direção, ou mesmo terceiros), tem mais liberdade de agir em nome da organização, já que “conselheiros e executivos podem ser indiciados criminalmente se um de seus colaboradores adota conduta fraudulenta, mesmo sem o seu conhecimento” (LAMBOY, 2017, p. 12).

Portanto, enquanto SISTEMA, se vale de INSTRUMENTOS diversos de gestão, coordenados para o atingimento do IDEAL QUE A CORPORAÇÃO PRETENDE QUE SE SATISFAÇA COM O CUMPRIMENTO DAS REGRAS. Em sumo extrato, possível afirmar que o IDEAL é a manutenção da empresa ÍNTEGRA, assim como a INTEGRIDADE dos sócios, investidores, diretores e demais colaboradores (inclusive terceiros).

 Para isso, necessário que seja definido qual é esse ideal. Se é a PREVENÇÃO, deve-se identificar em primeiro os riscos. Se é a CORREÇÃO (compliance obrigatório como medida de mitigação), os prejuízos já foram colhidos e, além de recuperação dos danos (imagem e financeiro, por exemplo), definem-se também os RISCOS.

 Em qualquer cenário (prevenção ou correção), definidos os riscos, o sistema demanda a COMUNICAÇÃO DA CORPORAÇÃO (colaboradores e terceiros precisam estar cientes e alinhados com os objetivos da empresa).

 Em seguida, o SISTEMA DEMANDA A CRIAÇÃO DE POLÍTICAS, que serão os mantras de todos que se relacionam com a empresa. Com as Políticas bem definidas e comunicadas, os PROCEDIMENTOS da corporação em vários níveis de relacionamento (interpessoal, entre empresas, com o poder público) devem ser definidos, as partes interessadas treinadas e testadas. Com isso, os CONTROLES de adesão às políticas e procedimentos devem ser testados.

 Detectadas falhas ou vícios no procedimento (ou no comportamento dos indivíduos), deve a organização SANAR OS DESVIOS imediatamente, sempre sendo transparente e se comunicando com as autoridades quando for o caso, para prevenir a responsabilidade dos que respondem pela empresa (sendo possível).

 Enfim, o sistema GIRA, e a revisão do PROGRAMA é algo esperado, para ajustes necessários, identificados principalmente na prática diária. A organização que se dispõe a se valer de um SISTEMA de integridade deve, no quesito TRANSPARÊNCIA, ainda se dispor a ser ABERTA A CRÍTICAS. Para isso deve criar canais de comunicação para RECEBER INFORMAÇÕES QUE PODEM IDENTIFICAR DESVIOS QUE REPRESENTAM RISCOS DE COMPLIANCE, ou de outro nível (Risco Jurídico Penal, Risco Econômico) que necessitam ser tratados e corrigidos.

 Quem vai cuidar de tudo isso? O Profissional de COMPLIANCE (agente de integridade ou Compliance Officer): aquele indivíduo que esteja disposto a se comportar de acordo com o IDEAL definido pela organização. Assim, entendo que a principal qualidade do profissional seja DISPOSIÇÃO ou DISPONIBILIDADE para aderir aos ideais da organização e, com isso, construir e gerir o sistema de integridade. Penso que deva ser MENOS ESPECIALISTA e MAIS GENERALISTA; ou, pelo menos, estar aberto a novos conhecimentos, ser diligente, disciplinado, metódico (no bom sentido, aberto a adequação dos métodos inclusive). Conhecer ou buscar conhecimento de GESTÃO, assim como conhecer ou buscar conhecimentos jurídicos mínimos (ao menos aqueles relacionados ao objeto social da organização, sejam normas jurídicas ou regulamentos) e, por fim, que tenha noções econômicas a ponto de vislumbrar que o sistema depende menos de recursos financeiros para ser gerido e mais das pessoas, sendo ainda capaz de identificar os impactos negativos dos desvios.

 Ainda deve ser um sujeito de fácil relacionamento interpessoal, daqueles que alcançam seus objetivos pela espontaneidade dos outros, que agrega e não distancia pessoas, que LIDERE naturalmente o coletivo, sem impor suas vontades, mas sendo seguido por todos (dos que estão acima do seu “escalão” na organização, até os que estão abaixo…).

 Com tudo isso, organizado, gerido e documentado, garante-se o bom desempenho dos três pilares que suportam o programa de COMPLIANCE: prevenir, detectar e responder às condutas inadequadas.

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Senado aprova aumento da pena para estupro coletivo e punição para importunação sexual


Da Redação | 07/08/2018, 20h08 - ATUALIZADO EM 08/08/2018, 16h21

Foi aprovado nesta terça-feira (7) o substitutivo da Câmara ao projeto do Senado que aumenta a pena para o estupro coletivo. O texto também torna crime a importunação sexual, a chamada vingança pornográfica e a divulgação de cenas de estupro. O projeto, agora, segue para a sanção presidencial.

O PLS 618/2015, da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), tramitou na Câmara em conjunto com outras iniciativas. O substitutivo (SCD 2/2018), da deputada Laura Carneiro (DEM-RJ), incorporou trechos de projetos do senador Humberto Costa (PT-PE) e da senadora Marta Suplicy (PMDB-SP).

Para o chamado "estupro coletivo", cometido por vários criminosos, o texto altera o aumento de pena previsto em lei, que atualmente é de um quarto, para até dois terços da pena. Igual aumento é estipulado para o chamado "estupro corretivo", caracterizado como tendo um intuito "punitivo", feito para controlar o comportamento social ou sexual da vítima.

A pena será aumentada em um terço se o crime for cometido em local público, aberto ao público ou com grande aglomeração de pessoas ou em meio de transporte público, durante a noite em lugar ermo, com o emprego de arma, ou por qualquer meio que dificulte a possibilidade de defesa da vítima.

—  Esse, sem dúvida nenhuma, é um projeto também de combate à violência que a mulher brasileira sofre. Nós estamos aqui atualizando a legislação brasileira e promovendo um cerco maior àqueles que, infelizmente, lamentavelmente insistem em desrespeitar o ser humano no geral, as mulheres, as meninas, cometendo esses crimes tão graves — disse a senadora Vanessa Grazziotin ao lembrar os 12 anos da lei Maria da Penha.

Todos os crimes contra a liberdade sexual e crimes sexuais contra vulneráveis terão a ação movida pelo Ministério Público mesmo quando a vítima for maior de 18 anos. Esse tipo de ação (incondicionada) não depende do desejo da vítima de entrar com o processo contra o agressor.

Outros aumentos previstos pelo texto para todos os crimes listados contra a dignidade sexual são para o caso de gravidez e para a transmissão à vítima de doença sexualmente transmissível, quando o agressor sabe ou deveria saber ser portador. Em ambos os casos, o aumento pode chegar a dois terços da pena. Igual aumento de pena valerá se a vítima for idosa ou pessoa com deficiência.

Importunação sexual

Já para a importunação sexual, o substitutivo prevê um tipo penal de gravidade média, para os casos em que o agressor não comete tecnicamente um crime de estupro, mas não deve ser enquadrado em uma mera contravenção. Os senadores Humberto Costa e Marta Suplicy, autores dos projetos que tinham esse objetivo, citaram como exemplo os casos de assédio a mulheres do transporte coletivo.

Esse crime é caracterizado como a prática, na presença de alguém e sem sua anuência, de ato libidinoso com o objetivo de satisfazer lascívia própria ou de outro. A pena é de reclusão de 1 a 5 anos se o ato não constitui crime mais grave.

— Muitos desses episódios que acontecem em espaços de aglomeração pública, nos transportes coletivos, mas atingindo também a rua e o próprio domicílio, que antes eram considerados meras contravenções penais, passam a ser crimes — explicou Humberto Costa.

Vingança pornográfica

Ainda segundo o texto, poderá ser punido com reclusão de 1 a 5 anos quem oferecer, vender ou divulgar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outro tipo de registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável. Incorre no mesmo crime quem, sem consentimento, divulgar vídeo com cena de sexo, nudez ou pornografia ou ainda com apologia à prática de estupro.

Se o crime for praticado por alguém que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou tiver como finalidade a vingança ou humilhação, o aumento será de um terço a dois terços da pena.

Não há crime quando o agente realiza a divulgação em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica de forma que impossibilite a identificação da vítima. Se a vítima for maior de 18 anos, a divulgação dependerá de sua prévia autorização. No caso dos menores de idade, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe esse tipo de divulgação.

Vulnerável

No caso do estupro de vulnerável (menores de 14 anos ou pessoas sem discernimento por enfermidade ou deficiência mental), o projeto determina a aplicação da pena de reclusão de 8 a 15 anos mesmo que a vítima dê consentimento ou tenha mantido relações sexuais anteriormente ao crime.

É criado, ainda, o crime de induzir ou instigar alguém a praticar crime contra a dignidade sexual, com pena de detenção de 1 a 3 anos. Sujeita-se à mesma pena aquele que, publicamente, incita ou faz apologia de crime contra a dignidade sexual ou de seu autor. A intenção da deputada Laura Carneiro foi de coibir, por exemplo, sites que ensinam como estuprar e indicam melhores locais para encontrar as vítimas.

Com informações da Agência Câmara de Notícias

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)